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(Untitled)
Fernando Pernes, 1996

The imaginary of Sofia Arez is crossed by the fetal and spectral, destroying the traditional polarities of life and death and even perhaps of the masculine and feminine. There is an obsession of cosmic unity, which units’ origin and destiny, revealing at the heart of the day the generation of universal life, felt in latent helplessness if not in androgynous nakedness.

Who are we, where do we come from, where are we going?

About a hundred years ago, this question by Gauguin brought the romantic-symbolistic heritage of western culture to the prelude of a new surrealistic sensitivity. Which was emerging from “Zeitgeist” full of ancestral fears.

Now, in the age of consumism and show business, this fear seems to be re-emerging more and more in the young creativity at the end of this century.

This might be seen in the case of Sofia Arez whose paintings starts from the memory and dreams to timeless figures, connected simultaneously to guts and ghosts. In this context, references may be made to the existential sadness of Edward Munch, the gothic calvaries of Grünewald and the tragic memories of Auschwitz.

In fact, this youthful art seems to cause a painful sort of tenderness for the human vulnerability, unveiled by a halo of grey or a fluid whiteness. A song which harmonises music from Requiem and halleluiah” and at the same time is stained by the blood, the semen and the ashes in which our universal destiny dissolves.

It is a symbolic-expressionist way that we insert the present art form, characterised by the pungency of flesh and lifeless, nebulous shadows. This orthodox informal method of cataloguing, results from modernism marked by a sense of ancestry.

Where we hear a screaming contention, associated to the nocturnal mysteries, typical of medieval or oriental mystics, and which is now retaken in a personalised way, capable of melting the grotesque and the diaphanous.

Profoundly feminine and uterine, the work of Sofia Arez may be considered as an annunciation of a pre-natal nostalgia, where body and telluric plasma disassociate in the splendour of giving birth and the returning to darkness, forming the cycle of life from genesis to death.

The great Viennese writer, Joseph Roth, on the occasion of the original sin; by our native obscenity, inter feces et urinam, we make ourselves worthy of great mercy.

God knows this and Mahler himself expressed this in his delightful painful “Kinder toten Lieder”. There is much of Roth’s writing and Mahler’s music in the works of Sofia Arez. There is much to say of the promising value that I attribute to her work and I am certain she will accomplish in her journey to maturity.

 

O fetal e o espetral cruzam-se no imaginário de Sofia Arez, desfazendo as polaridades tradicionais da vida e da morte, quiçá também do masculino e do feminino, numa obsessão de unidade cósmica que conjuga origem e destino num mimetismo demiúrgico, a desocultar no coração do dia a gestação da vida universal, sentida em desamparo premente senão em nudez andrógina.

Quem somos, de onde vimos, para onde vamos?

Há cerca de cem anos, a angústiante interrogativa de Gauguin trazia a herança romântico-simbolista da cultura ocidental junto ao prelúdio de nova sensibilidade surrealista, emergente de um inconsciente coletivo povoado de temores ancestrais, que as sociedades do consumo e do espetáculo tentaram iludir, mas se verificam renascentes na jovem criatividade deste crepúsculo finissecular que nos vem cabendo em destino.

Também isso se confirmará no caso de Sofia Arez cuja pintura irrompe da memória e do sonho transidividual, para se plasmar em figurações atemporais, simultaneamente conexas ao visceral e ao fantasmático

Como arrastando, não menos, ecos do esfarrapado desgosto existencial com que Edward Munch reabriu perene ciclo cultural expressionista, com fundamento sensível reportável aos calvários góticos de Grünewald, e destino premonitóriamente afim às descaranações trágicas de Auschwitz.

 

De facto, esta arte juvenil transporta imenso dessa densidade ôntica e sociológica, em doloroso cântico de ternura pela vulnerabilidade humana, 
Desvendada num halo de cinza ou alvura fluída que harmoniza acordes de “requiem” e de magoada poética de aleluia, algo manchada do sangue, do sémen, das cinzas derradeiras em que se dissolve o destino universal do que possamos ser.

Assim, revisitação da pungência da carne e das nebulosas sombras lutuosas que habitam o quotidiano solar de todos nós, será numa linhagem de ascendência simbolista-expressionista que de imediato desejaremos inserir o presente discurso plástico, alheio porém a quaisquer formalismos de ortodoxa catalogação. Mas cuja modernidade se reveste de marcante ancestralidade.

E onde ressoa contenção gritante subjacente a um mistério auroral ou nocturno de cuja verdade antiquíssima já sabiam remotas místicas medievais ou orientais, agora retomadas e personalizadas em indizível lirismo, susceptível de indiferenciar o grotesco do diáfano.

É que profundamente feminina, uterina, a obra de Sofia Arez dir-se-ia desdobrada de púdica anunciação para nostalgias da idade pré-natal, que indissociam os corpos e o plasma telúrico , o esplendor do dar à luz e o retorno às trevas, no percurso pleno de todo um ciclo vitalista, ido do genésico ao agónico.

Houve, porém, um grande escritor vienense, Joseph Roth, que numa tarde de neve e de luto pelas exéquias do genial compositor, Gustav Mahler, escreveu o seguinte:

“Somos todos anjos abortados por via do pecado original; da nossa obscenidade nativa de inter feces et urinam, a tornar-nos dignos da imensa Pietá que nos é glória também. Deus o sabe e Mahler o exprimiu na sua deslumbrante, longa, sofrida “Canção para as Crianças Mortas”.

Há muito do verbo de Roth e da referida música de Mahler a desprender-se ecoante desta pintura de Sofia Arez. Nisso algo se dirá do valor promissor que sinceramente lhe atribuo e estou cert se virá a cumprir no seu caminho de maturidade.