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Detour
Diogo Teixeira, 2020

In woods, we’re mislead by leaves or play of sunlight;
driving along, we sometimes stop, park, and get out, only to discover it’s a football or a piece of trash.
Learning from such experiences isn’t what we do.
JOHN CAGE

Since she remembers that she pays the utmost attention to everything around her, in particular the natural environment, giving the utmost importance to the most insignificant things and putting aside everything else, even if it is intellectually and visually more stimulating. Sofia Arez’ fascination with mushrooms comes from this. At first glance, they look like shapeless, colourless objects. You have to learn to look to see the richness and diversity of their shapes and colours. And the details are only discovered when we try to reproduce them.
As witnesses of this exhibition we must look for these singularities, like those who look for mushrooms in a forest, so that meaning emerges. And sometimes, when we are forced to return by the same path, we notice mushrooms that we did not recognize the first time. Just like in life. In the same way, navigating through the micro details of these pictorial works evokes this search, the wandering, the chance to find.

Cage’s writings in his Mushroom Book (1972) focus on what seems an open, purposeless approach that “serves flexibility, introduces the stranger”, reflecting the sensitivity of a walk in the forest. Similarly, Sofia Arez’ densely drawn watercolours are meditations on navigational impulses and chance encounters in the experience of nature – and life –, overlaps and blemishes, sinuous changes in directional lines, and transparencies that evoke a sense of inspired distraction.
The mushroom differs and grows where it finds favourable conditions, and perhaps this is the reason for its beauty and uniqueness, because, as a fungus, it knows how to find its cradle in the remains of nature. Sofia proposed to transpose to paper the original shapes and the sublime tones of each mushroom. This work also seeks to perpetuate the brief existence of the mushroom, which, only in the ideal place and conditions, shows itself gracefully to the world.
Mushrooms are visible and invisible. They evoke in each of us different feelings and multi-sensorial images. Some are perceived as disgusting or dangerous because associated with dirt or death. Others are appreciated for their unique and delicious taste. Few know, however, that we are more intimately connected to fungi than to any other biological realm.

Fungi, in a successful evolutionary line, digest nutrients externally, doing so through the action of enzymes excreted by filamentary cellular networks like spider’s webs, known as mycelium. The mycelium, thus acting on the decomposition of organic matter that is thus recycled, ends up acting on the basis of our food chains, creating the rich soils so necessary for life. The mushroom is the fruit of the mycelium. From the living world that surrounds us we easily perceive plants and animals, but these living beings that discreetly share this space, in a labour that almost always passes unnoticed to our eyes, are after all an indispensable presence to the balance of the ecosystem.
The mushroom, in particular the shiitake, is a symbol of longevity for the Chinese. Perhaps because it is preserved for a long time after drying. Some ancient texts also consider it a filter of love. Tchung-tse considers the multiplicity of mushrooms born from the same source of humidity as the image of the impermanent ways of being, fleeting appearances of one and the same essence. These interpretations make the mushroom the symbol of life regenerated by fermentation and organic decomposition, i.e. death.

All this makes us contemplate the continuous cycle of becoming and death. It makes us reconsider the static character of the objects that surround us, in permanent opposition to our own dynamics of living. It makes us think of aliveness as a choice and sensitivity that we can cultivate, remaining open to the world, following curiosity, or simply leaving the comfort of our routines.
Detour. There are days when we prefer not to. But when we challenge ourselves in this way, we know that there is a possibility of finding ourselves in this constant dance between you and me, between thou and I, which is in the heart of the human being. The existential tension: freedom and responsibility. Complicity. A dance that can begin at any moment. A detour that reveals the path.

Na floresta, somos enganados pelas folhas ou pelo
jogo da luz do sol; conduzindo, às vezes paramos,
estacionamos e saímos, só para descobrir que é uma bola de futebol ou um pedaço de lixo.
Aprender com tais experiências não é o que fazemos.
JOHN CAGE

Desde que se lembra que presta a máxima atenção a tudo o que a rodeia, em particular o meio natural, dando a maior importância às coisas mais insignificantes e pondo de lado tudo o resto, mesmo que intelectual e visualmente mais estimulante. O fascínio de Sofia Arez por cogumelos vem daí. À primeira vista, parecem objetos disformes e sem cor. É preciso aprender a olhar para ver a riqueza e diversidade das suas formas e cores. E os detalhes só se descobrem quando os tentamos reproduzir.

Como testemunhas desta exposição precisamos de buscar essas singularidades, como quem procura cogumelos numa floresta, para que o sentido surja. E, por vezes, quando somos obrigados a regressar pelo mesmo caminho, notamos cogumelos que não reconhecemos da primeira vez. Tal como na vida. Da mesma forma, navegar pelos micro detalhes destes trabalhos pictóricos evoca essa procura, o vaguear, a chance de encontrar.

Os escritos de Cage no seu Mushroom Book (1972) concentram-se no que parece uma abordagem aberta, sem propósito, que “serve a flexibilidade, introduz o estranho”, refletindo a sensibilidade de uma caminhada na floresta. Do mesmo modo, as aguarelas densamente desenhadas de Sofia Arez são meditações sobre os impulsos navegacionais e as casualidades encontradas na experiência da natureza – e da vida –, sobreposições e manchas, sinuosas alterações nas linhas direcionais e transparências que evocam uma sensação de distração inspirada.
O cogumelo diferencia-se e cresce onde encontra condições propícias, e talvez seja essa a razão da sua beleza e singularidade, pois, como fungo que é, sabe encontrar nos resquícios da natureza o seu berço. Sofia propôs-se transpor para o papel as formas originais e os sublimes tons de cada cogumelo. Este trabalho procura também perpetuar a breve existência do cogumelo, que, apenas no local e condições ideais, se mostra graciosamente ao mundo.

Os cogumelos são visíveis e invisíveis. Evocam em cada um de nós diferentes sentimentos e imagens multissensoriais. Uns são percebidos como repugnantes ou perigosos porque associados à sujidade ou à morte. Outros são apreciados pelo seu sabor único e delicioso. Poucos sabem, no entanto, que estamos mais intimamente ligados aos fungos do que a qualquer outro reino biológico.

Os fungos, numa linha evolutiva de sucesso, digerem externamente os nutrientes, fazendo-o pela ação de enzimas excretados por redes celulares filamentosas semelhantes a teias de aranha, conhecidas como micélio. O micélio, atuando assim na decomposição da matéria orgânica que é deste modo reciclada, acaba por atuar na base das nossas cadeias alimentares, criando os solos ricos, tão necessários à vida. O cogumelo é o fruto do micélio. Do mundo vivo que nos rodeia facilmente nos apercebemos das plantas e dos animais, mas estes seres vivos que discretamente partilham esse espaço, num labor que quase sempre passa desperce¬bido aos nossos olhos, são afinal presença imprescindível ao equilíbrio do ecossistema.

O cogumelo, em particular o shiitake, é um símbolo de longevidade para os chineses. Talvez por se conservar por muito tempo após a secagem. Alguns textos antigos consi¬deram-no também um filtro do amor. Tchung-tse considera a multiplicidade dos cogumelos nascidos de uma mesma fonte de humidade como a imagem das modalidades im¬permanentes do ser, aparições fugidias duma só e mesma essência. Estas interpretações fazem do cogumelo o sím¬bolo da vida regenerada pela fermentação e pela decompo¬sição orgânica, isto é, pela morte.
Tudo isto faz-nos contemplar o ciclo contínuo do devir e da morte. Faz-nos reconsiderar o caráter estático dos objetos que nos rodeiam, em permanente oposição à nossa própria dinâmica de viver. Faz-nos pensar a vivacidade como uma escolha e sensibilidade que podemos cultivar, permanecendo abertos ao mundo, seguindo a curiosidade, ou simplesmente saindo do conforto das nossas rotinas.

Desvio. Há dias em que preferimos não o fazer. Mas quando nos desafiamos dessa forma, sabemos que há uma possibilidade de nos encontrarmos nessa dança constante entre mim e ti, entre eu e tu, que está no coração do ser humano. A tensão existencial: liberdade e responsabilidade. Cumplicidade. Uma dança que pode começar a qualquer momento. Um desvio que revela o caminho.